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Pontos de Vista

Porque tudo na vida tem um ponto de vista

Pontos de Vista

Porque tudo na vida tem um ponto de vista

29
Jan16

José Luís Peixoto - Até Paris

olhar para o mundo

 

Até Paris


O que o leva a Paris?

Quando estava acordado, o Cosme gostava de fazer perguntas. O homem desculpou-se, precisava de ir aos lavabos. Mal saiu, o Cosme descuidou-se.

Tinha este guardado.

O Ilídio olhou-o sem paciência. Ficaram calados. Na estação de Orléans, o Cosme abriu a janela e assomou--se. Voltou coberto pelo apito do chefe de estação. Trazia o peito preenchido de ar novo. O sorriso enchia-lhe a cara inteira. Agarrou as mãos do Ilídio.

Já viste? Estamos na França. Já estamos na França.

O Ilídio tirou as mãos, não conseguia ser proprietário do mesmo entusiasmo. Antes disso, queria chegar a Paris. O Cosme já estava imparável, tinha vencido a guerra. Guerra, qual guerra? E encheu essas horas com promessas, com planos. No dia seguinte, ia tratar de uma lista infinita de assuntos. A França já era dele. O Ilídio estava como se o ouvisse, tinha a posição de estar a ouvi-lo, tinha o olhar, tinha uma expressão que era exactamente como se o ouvisse.
Estavam quase a chegar a Paris quando o Cosme reparou que o homem ainda não tinha regressado. Enumerou possibilidades por comprovar, e deu-se como voluntário para ir buscá-lo. Foi.

O Ilídio esperou, esperou, mas foi só quando estavam mesmo a chegar à estação, a placa Paris-Austerlitz num muro, que o Cosme regressou e disse:

Ninguém sabe dele.

O Ilídio, pouco convencido, disse-lhe para ficar no vagão enquanto o ia buscar. Varreu a carruagem de primeira classe em pouco tempo, nada. Entrou para as outras carruagens, havia homens a empurrarem-se, a apertarem--se nos corredores, corpos com rostos. O comboio parou.

O Ilídio foi rejeitado de um lado e de outro por pessoas que queriam sair. Já no comboio deserto, coberto de destroços, ruínas com cheiro de pés transpirados e comida, o Ilídio passou por cada canto daquela máquina imensa, abriu as portas de correr dos vagões e abriu as portas que separavam as carruagens, o cheiro a óleo negro, e nada. Em todos os lados, nada. Na estação, havia multidões de portugueses a abraçarem-se, irmãos e primos de boina, filhos a serem levantadas no colo, esposas comovidas, sentidas, chorosas. O Ilídio voltou ao vagão de primeira, onde encontrou o Cosme, na mesma posição em que o tinha deixado.

Então?

Não sabiam o que fazer. Chegou o revisor e facilitou--lhes a escolha, tinham de sair. Juntos, levaram a mala do homem, grande carrego, e desceram na estação. Estavam na França, estavam mesmo na França, mas não sabiam o que fazer. As mulheres afastavam-se debaixo dos xailes, os homens carregavam sacas de batatas aos ombros e afastavam-se também, os cachopos eram cachopinhos e afastavam-se. A estação ficou vazia de todos os que tinha vindo naquele comboio estafado.

Foi o Cosme, claro, que sugeriu que abrissem a mala. Se calhar, tem ouro lá dentro. O Ilídio começou por lutar com a ideia mas, por falta de alternativa, anuiu. Foram para um canto. Olharam para todos os lados e, com cuidado, soltaram as correias e abriram as fivelas.

Dentro da mala, desarticulado, estava o corpo do homem, morto, dobrado, ensopado por uma pasta de sangue, com os braços e as pernas sem jeito, a traçarem ângulos rectos, com um olhar cego e a pele do rosto vincada pelo interior da mala.

Enquanto fechavam a mala, tiveram dificuldade em engolir saliva, respiraram ar grosso, morno. Depois, deixaram-na onde estava, encostada a uma parede, e foram-se embora o mais depressa que conseguiram.

À porta da estação, angústia, precisavam de uma cidade enorme que os recebesse. Paris tinha um tamanho que, naquele momento, ainda não eram capazes de calcular. Foi preciso atravessarem pontes sobre o Sena, andarem muito, calcorrearem praças, avenidas, quilómetros de passeios, até serem capazes de respirar fundo e, por fim, por fim, perceberem que tinham chegado.

José Luís Peixoto, in 'Livro'
 
Retirado de Citador
29
Jan16

Frases de Lou de Olivier no Facebook - O dia em que nos preocuparmos com a consciência humana, o racismo desaparce

olhar para o mundo

Morgan Freeman

 

 

O dia em que pararmos de nos preocupar com a consciência negra, amarela ou branca e nos preocuparmos com a consciência humana, o racismo desaparce

Lou de Olivier

Recebi o seguinte texto de Lou de Olivier: 

Olá, quero deixar registrado aqui que esta frase da "Consciência humana" não é do Freeman. Esta frase foi criada por mim em 2003 em um Fórum de Poetas e depois foi muito repassada pelo extinto Orkut. Lamento profundamente que tenham retirado meu nome e repassado e mais ainda por tirarem do contexto, pois eu quis afirmar que deveríamos nos aceitar como sendo todos iguais. Por favor, leia a crônica que fiz no meu blog. https://wp.me/p1k6R2-i5 Acesse tb meu portal para conhecer tudo que pesquiso e publico. E, infelizmente, às vezes, outros postam como sendo deles. https://loudeolivier.com/

 

O seu a seu dono!

28
Jan16

Isabel de Sá - Eu Ela e a Escrita

olhar para o mundo

isabel de sá.jpg

 

Eu Ela e a Escrita

Eu ela e a escrita existimos desde o princípio. A escrita forma-se em mim, passa por ela e volta à minha pele num jogo sensual e íntimo. É um ser maleável aos gestos que executamos, vive e morre com os nossos impulsos. Quando se ausenta deixa sinais. Faz-nos confidências da sua vida errante, elabora sentimentos que não esperávamos que tivesse quando junta ao nosso, o seu instinto criativo. Assim, utilizo agora palavras que nunca pensei vir a escrever. Aceito-as porque as sei da espécie da personagem que habita connosco, conivente com os erros que cometemos.

Quando adolescente, passava o tempo a ler o dicionário, apercebendo-me da corrosão de algumas palavras, do seu poder destrutivo. Noutras havia sombra e um peso monstruoso. E as que ao tempo foram luminosas, irradiavam um brilho que se colou aos meus dedos. Eu gastava os dias a limpar-me dessa luz até não haver em mim resíduos de leitura. Descobria o esquecimento, onde o poema veio a ser abismo, outra vida onde o sorriso da morte teve muita importância. Amei a imperfeição do ser humano. Revisitei a infância e aquilo que em nós é real. Não soube prescindir da beleza.

Isabel de Sá, in 'Escrevo para Desistir'
 
retirado de Citador

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