“Democracia Não É Apenas Voto, É A Atitude Capaz De Revelar O Sentido Da ‘Felicidade Política’”
“Além do desejo de felicidade comum a cada pessoa individual, há um desejo ao qual precisamos hoje dar nome próprio, o desejo da felicidade política. No Brasil a política é, há tempos, e cada vez com mais veemência, destruída por mascarados e transformada num território de ninguém. A idéia de política como espaço da realização da comunidade, de cada indivíduo que se une em torno do bem comum, foi destruída há muito tempo. Talvez nem tenha nascido entre nós. De qualquer modo, é preciso assegurar que haja ainda sementes desta idéia que possam alimentar-nos no futuro. Do contrário, sem rumo político, sem a idéia do bem para todos, não haverá esperança, apenas a colonização e a escravidão com a qual iniciamos a história que precisamos a cada dia superar em nosso presente.
Não sabemos muito bem o que é política além do baile de máscaras que vemos pelos jornais, mas sabemos que uma das palavras que traduz sua incógnita é a democracia. Podemos dizer que ser feliz politicamente é hoje realizar a democracia. A democracia é uma palavra capaz de traduzir toda a nossa utopia política, nosso desejo de uma sociedade em que a vida boa seja a possibilidade geral. Se nem falamos tanto em política, pois perdemos seu sentido, a democracia parece ser a palavra mágica ainda capaz de assegurar este sentido perdido. Uma vida em nome da democracia parece a todos nós uma vida boa, porque justa. É preciso a cada dia revalidar o batismo e rever o que nasce sob a luz de nosso sonho. E é preciso sonhar e reinventar o futuro.
Apesar disso jamais, desde sua invenção, abandonamos a democracia. A modernidade refez o teor da democracia traduzindo-a em nossa capacidade de voto: é a democracia representativa. Quem eleger, como eleger, são questões que nos martelam a mente dia após dia, sobretudo, em tempos de eleição. Mas será só isso? A democracia representativa é prática, mas pouco utópica, exige uma resposta imediata. Nosso tempo é rei no elogio da prática e desdenhoso dos ideais, postura que precisa com urgência ser revista.
A pergunta que precisamos colocar hoje nos toca num ponto grave: será possível manter o sentido da política e mesmo da democracia se pensamos que a democracia é apenas o voto? Somos apenas inábeis para o voto? Ou será que é toda a concepção da política que está hoje perdida? Não seria a hora de re-colocar em cena e com toda a força a ideia de uma ‘felicidade política’?”.
(Crônica de Márcia Tuburi – Publicada na Revista BemStar. São Paulo: Ed. Lua. Número 16, 2006. P. 37).
Portugal é, sinceramente, a minha parte favorita de Angola, e tive o privilégio de poder confidenciar isto mesmo a Nelson Mandela, quando ele ainda jogava no Benfica
Estive há dias no vosso país (acho eu) e parece que cometi um erro. Disse que Cristóvão Colombo era vosso compatriota quando, ao que parece, ele nasceu em Génova. O que significa que era grego, ou assim. Enfim, os povos do sul da Europa acabam por ser todos muito parecidos. Também tenho dificuldade em distinguir africanos e chineses. Sendo oriundo de uma potência como o Luxemburgo, estive muito ocupado a estudar a longa história do meu país, e a conhecer a sua vasta geografia. Por isso, faltou-me disponibilidade para me dedicar à história de países mais pequenos, como o vosso. Além disso, no Luxemburgo temos pouquíssimo contacto com portugueses, pelo que a minha ignorância está desculpada, creio eu.
Vamos ao essencial. O meu objectivo era comparar o socialismo com um período negro da história mundial. Por isso, escolhi inteligentemente uma época que os portugueses abominam: os Descobrimentos. Cristóvão Colombo era, na verdade, um socialista: ia sem saber para onde à custa dos contribuintes - e com que resultados? Nenhuns. Não admira que tenha sido esquecido pela história e que, hoje, alguns altos dignitários europeus nem saibam exactamente quem ele foi e onde nasceu. Diz-se que Cristóvão Colombo descobriu a América. Pois bem, eu já estive na América, e é enorme. Imaginem as vossas cidades de Málaga e Bordéus juntas. A América é ainda maior. Não é nada difícil de descobrir. Vê-se do espaço. Perguntem ao vosso compatriota Neil Armstrong. Ele foi a Júpiter, e sabe do que fala.
Portugal é, sinceramente, a minha parte favorita de Angola, e tive o privilégio de poder confidenciar isto mesmo a Nelson Mandela, quando ele ainda jogava no Benfica. Nessa medida, e como diz Passos Coelho, o vosso país tem em mim um amigo. Creio que o desconhecimento mútuo é o melhor aliado da amizade. Quanto mais se conhece o outro, mais características desagradáveis lhe descobrimos. E eu já demonstrei que não faço a mínima ideia de quem vocês são e do que fizeram. Terei todo o prazer em defender, na Comissão Europeia, os vossos interesses, mal descubra quais são.
Como dizia o vosso Cervantes: "Ser ou não ser, eis a questão." Portugal tem de optar entre ser socialista, como Cristóvão Colombo, ou ser sábio e ajuizado, como eu. Avaliem a dimensão de ambas as figuras na história da Europa e do Mundo e decidam em conformidade. Gracias e hasta luego, como se diz aí.
Em 1975, meio milhão de portugueses das colónias desembarcavam em Lisboa com uma mão à frente e outra atrás.
Em Angola e Moçambique, sobretudo aí, eram donos do espaço e viviam sem preocupações de tempo ou angústias financeiras. Para eles, a morte do Estado Novo trouxe-lhes o fim do paraíso e abriu-lhe as portas a um inferno que nunca poderão esquecer.
Para muitos, Mário Soares é a besta negra. Responsabilizam-no, mais do que a Cunhal, por exemplo, por tudo ter corrido mal. Por muito que o fundador do Partido Socialista fale no peso das circunstâncias ou na pressão internacional motivada pelo equilíbrio de poder entre americanos e russos, o certo é que poucos o ouviram ou ouvem. Quase 40 anos depois, pouco interessa a questão da culpa ou da inocência, para eles é o homem que podia ter evitado e não evitou. O réu para os que perderam tudo o que tinham. Para os que chegaram nas pontes aéreas e foram tratados como brancos de segunda, tratados como, porventura, alguns de entre eles tratavam os negros em Angola e Moçambique.
Retornados. Nome que é um rótulo, um peso que os marcou como ferro em brasa. Ainda assim, um processo que correu anormalmente bem – sobretudo se comparado ao que acontecera com as descolonizações francesas. As pessoas foram distribuídas por todo o território, de Norte a Sul os que a si próprios se definiam como ‘espoliados’ puderam recomeçar. Do zero, claro. E os seus filhos, pequenos ou ainda por nascer, também pagaram o preço da profunda infelicidade dos pais, um peso que certamente os terá influenciado. Para o bem e para o mal.
Para o mal, o ressentimento. Para o bem, a vontade de ganhar e uns horizontes mais largos do que a maioria dos que, na metrópole, haviam nascido. Habituados à terra a perder de vista estavam capacitados para ver mais longe e com maior alcance. Vários reconstruíram riquezas, montaram negócios, fizeram boas carreiras.
Onde quero chegar? A um ponto interessante e fundamental para balizar a nossa história contemporânea. Porque este é o tempo em que os filhos desses homens e mulheres obrigados a começar tudo de novo, filhos do ressentimento e de uma África de largos horizontes, chegaram ao poder.
O facto poderá ser visto por alguns como uma prova de que as feridas não estão saradas, justificando as medidas do actual Governo como uma espécie de vingança psicanalítica. Mas para outros será o ponto final parágrafo numa narrativa de sucesso, a história de 500 mil portugueses que perderam uma vida e começaram do zero numa terra que, na verdade, tantos não conheciam.
Para os primeiros, é a prova de que o ressentimento passa de pais para filhos. Para os segundos, a prova de que Portugal soube sarar as feridas e incorporar a força, o talento e o largo olhar dos que regressaram.
Os críticos terão mais um motivo para atacar porque se convencerão que é gente que deseja ajustar contas. Os que acreditam dirão que é a grande oportunidade de Portugal mudar na sua mentalidade.
Mudar esta tendência para que, em todas as épocas da História, as elites perguntem se existe futuro para o nosso país. Como escrevi há uns dias, num ‘postal’ para amigos: «É uma marca genética, um traço que nos distingue dos alemães, ingleses ou franceses; ao contrário deles, banhados de certezas, temos a arrogância da dúvida permanente. Somos orgulhosos, mas fazemos por escondê-lo, como se fôssemos cristãos a rezar nas catacumbas após a morte de Cristo. Quando falamos do que somos, dizemos ‘os portugueses’ e não ‘nós, os portugueses’. Somos o que somos. Umas vezes, tanto. Outras vezes, nada. Adoramos o que detestamos, odiamos o que amamos. Temos o Sol, mas inventámos o fado. Falamos de medo e partimos à conquista do mundo. Temos inveja e somos generosos. Somos uma coisa e o seu contrário».
A história e os cobradores de fraque decretaram-nos da urgência de mudar. A delícia da inconstância é boa para salões e crédito, e uma tragédia para quem perdeu anéis e já só tem os dedos para oferecer.
Nesta perspectiva, ter Pedro Passos Coelho em São Bento é uma boa notícia. Ainda não completara os dez anos quando Salgueiro Maia e os capitães de Abril impuseram o fim do Estado Novo ao compasso da voz de Zeca Afonso. Com uma infância angolana, como Miguel Relvas, viu os pais lutarem com dificuldades e sacrifício para alcançar um futuro para os seus filhos.
Em 1974, e no regresso dos retornados nas célebres pontes aéreas de um ano depois, ninguém daria nada por aqueles miúdos de calções e, certamente, olhar assustado. Não passavam de brancos de segunda. Ressentidos e sem futuro.
Afinal, o futuro revelou-se de um outro modo. Como aliás sempre acontece. Os filhos conquistaram o poder. E uma parte de Portugal, tal como aconteceu com os seus pais, grita para que desapareçam, para que tenham vergonha na cara, para que nunca mais voltem.
O ressentimento tem sempre múltiplas faces, está em todo o lado e não é exclusivo de ninguém em particular. É democrático. Um património de todos. Infelizmente.
A História é uma maravilhosa caixa de surpresas, não é?
Cavaco exige dar posse a um governo maioritário, mas não se a maioria incluir os partidos à esquerda do PS. Jerónimo de Sousa viabiliza um governo do PS para que haja uma política alternativa à coligação, mas disse que o PS e a coligação eram farinha do mesmo saco. António Costa perdeu as eleições, mas pode ser primeiro-ministro. A coligação passou quatro anos a dizer que não havia alternativa, mas quer negociar com o PS políticas alternativas. O Bloco manifesta abertura para apoiar o PS, mas disse que o PS tinha sido a desilusão da campanha eleitoral. Durão Barroso diz que os eleitores socialistas não votaram no PS para um governo com o PCP e o BE, mas é igualmente improvável que tenham votado no PS para um governo com o PSD e o CDS.
A bolsa perde agora milhões por causa da hipótese de um governo de esquerda, mas perdeu 2,3 mil milhões quando Paulo Portas revogou a irrevogabilidade. A composição da Assembleia da República indica que o povo português votou maioritariamente contra a coligação, mas também indica que votou maioritariamente a favor do respeito pelo tratado orçamental. A direita diz que um eventual governo de esquerda não respeitaria a Constituição, mas passou quatro anos a desrespeitar a Constituição.
António Costa substituiu o anterior líder do PS por ele ter ganho por poucochinho, mas não quer sair depois de ter perdido por bastantezinho. Cavaco defende a estabilidade, mas pode patrocinar a turbulência. Tudo isto é bastante confuso, mas tem graça.
Bem vistas as coisas, «mas» significa política. Cavaco não gosta de mas. Isto de as pessoas se oporem umas às outras, de as circunstâncias mudarem, de ser necessário fazer escolhas, nunca lhe agradou. O que é bonito é o consenso.
Acontece que Cavaco é sonso quando pede consenso. Na verdade, Cavaco é um consonso: deseja o consenso desde que seja em torno da sua opinião. O povo português deu duas maiorias absolutas a Cavaco Silva e elegeu-o Presidente por duas vezes à primeira volta. Mas lá está, desta vez não lhe fez a vontade. Portugal pode estar menos estável, mas está mais interessante.
Portugal criou a geração mais bem preparada, para obedecer sem questionar
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