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Pontos de Vista

Porque tudo na vida tem um ponto de vista

Pontos de Vista

Porque tudo na vida tem um ponto de vista

10
Jul16

Não se esqueçam, são todos Portugueses. São/Somos todos Portugal

olhar para o mundo

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Sara Moreira sagrou-se hoje campeã europeia da meia-maratona;🔝
- Patrícia Mamona, campeã da Europa em triplo salto;🔝
- Rui Costa foi segundo lugar na 9ª etapa da Volta à França;🔝
- Jéssica Augusto foi bronze na meia-maratona;🔝
- Selecção portuguesa de futebol Campeã da Europa.🔝

Não se esqueçam, são todos Portugueses. São/Somos todos Portugal. 😉

 

Do Facebook de Fernando Pimenta

 

07
Jul16

Miguel Esteves Cardoso - Viva o país dos galos!

olhar para o mundo

Miguel Esteves CArdoso

Viva o país dos galos!

Os galeses foram valentes. Deram tudo. Mas não basta

 

Que Portugal só sabia empatar. Tome lá 2 golos em 3 minutos, um para abrir o apetite, outro para encher a barriga.

 

Que Cristiano Ronaldo não estava a marcar golos. Tome lá 1 de cabeça, se fizer favor e outro, para variar, pelo chão, para o Nani.

 

Disseram mal do Fernando Santos. Ele foi explicando como era e como iria ser. E assim foi.

 

Disseram mal da selecção, que estava a jogar mal. Ou que estava a jogar assim-assim mas não marcava golos e que não jogava para ganhar. Ora tome lá dois golinhos bem servidos aos minutos 50 e 53 para ficarem 40 minutos para o sofrimento de que não abdicamos.

 

Os galeses foram valentes. Deram tudo. Mas não basta. Bale à parte, não são excelentes futebolistas. Que me desculpem: é mesmo uma questão de talento.

 

Os galeses mostraram ter um grande espírito de equipa. Parabéns. Estiveram sempre muito unidos. Suponho que tenha sido bonito de se ver, caso fôssemos galeses. Mas, como não somos, não foi. O maior elogio que podemos fazer é dizer-vos que houve momentos em que nos meteram medo. Sobretudo antes do jogo começar.

 

Foi uma vitória da selecção portuguesa e do treinador português contra Portugal e os portugueses. Nós os portugueses pensávamos que Portugal ia ficar mal neste Euro 2016 mas queríamos que ficasse bem. Esperávamos o pior mas exigíamos o que nos parecia impossível. É um raio de uma atitude, diga-se já.

 

Já ouço o que nos amaldiçoam por ter perdido na final contra a França ou a Alemanha. Ó que porra: tenham calma.

 

Miguel Esteves Cardoso

Retirado do Público

05
Jul16

Ricardo Araújo Pereira - Querido Portugal

olhar para o mundo

Ricardo Araújo Pereira

 

Querido Portugal

 

Temos de falar. Como sabes, o meu amor por ti tem resistido a tudo. Tu és pobre, sujo em vários sítios e estúpido muitas vezes. Mas há em ti uma certa ingenuidade que faz com que até os teus defeitos - e são tantos - me seduzam. Na maior parte das vezes não és mau, és só malandro. E tens três qualidades que compensam tudo o resto: a comida, a língua e o clima. Era precisamente sobre isto que te queria falar. Andas a desleixar-te. A comida já foi melhor. Bem sei que a culpa não é só tua. A União Europeia proíbe umas coisas, os nutricionistas desaconselham outras. Mas já não se encontram jaquinzinhos, os restaurantes receiam fazer cabidela e a medicina parece ter arranjado um método infalível para determinar o que é prejudicial à saúde: se sabe bem, faz mal.

 

A língua também já não é o que era. Não me entendas mal: continua a ser a tua maior virtude. Não sei como é possível uma pessoa exprimir-se numa dessas línguas bárbaras que não distinguem o ser do estar. Embora os franceses e os ingleses, aparentemente, não o saibam, ser bêbado é muito diferente de estar bêbado. Mas, quando eu era pequeno, setores era o nome que se dava aos professores. Hoje, setores é a versão actualizada da palavra sectores. Na escola, os setores explicam o que os setores são. No meu tempo, o sector primário era a área de actividade que compreendia a agricultura e outras formas de produção de matérias-primas, e um setor primário era um professor do ensino básico. Agora, é tudo a mesma coisa, assim como "être" e "to be" significam tanto ser como estar.

 

Outra coisa: isto do clima não pode continuar. Este verão foi muito fraco. Houve pouco sol e a água estava fria. Não se admite. A gente tolera a corrupção, a injustiça, a inveja, o subdesenvolvimento e tudo o mais que tu conseguires gerar. Mas tem de estar sol. Se é para não haver verão, nem subtilezas linguísticas, nem papas de sarrabulho, mais vale irmos para a Finlândia, onde as coisas funcionam. ?E a moral sexual das moças nórdicas é muito mais relaxada. Tens de escolher: ou há regular funcionamento das instituições, ou há céu pouco nublado ou limpo. Vê lá isso, por favor.

Um grande beijo,

Ricardo

Retirado da Visão

30
Mai16

Portugal visto por António Lobo Antunes

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António Lobo Antunes

 

 

Portugal visto por

António Lobo Antunes
  
Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida.

Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento.

Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos.

Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.
 
Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estoico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade.

O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles.

Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão.

O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal.
Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito.

Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver:
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo
que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores, que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.
 
As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos semdificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente  indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.

Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.
 
Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram. Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito.

Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.

Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair.

Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar de  D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar.

Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho.

Agradeçam a Linha Branca.

Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar.

Abaixo o Bem-Estar.

Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.

Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos.

Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa.

Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.

Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar?

O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.

 

António Lobo Antunes

15
Mar16

Miguel Esteves Cardoso - Estaremos feitos. Não?

olhar para o mundo

Miguel Esteves Cardoso

 

1-0: começa a merda. 2-0: A merda continua. 3-0: a merda adensa-se. 4-0: acaba a merda.

 

Mas quem é que não estava à espera desta merda? É normal Portugal perder com a Alemanha. É sempre a mesma merda. Qual é a novidade?

 

É por isso que vamos desanimar? Por ter acontecido o que já se esperava? Claro que não. O jogo com a Alemanha era uma merda que tínhamos sempre de despachar. Pronto, está despachada. Ainda bem. Estamos prontos. Não estamos feitos.

 

De resto, que bem se estreou a Península Ibérica neste Mundial. Reflectiu-se a longa experiência que Espanha e Portugal têm na América do Sul. Fomos amplamente recompensados por todos os jogadores que roubámos ao Brasil, à Argentina e a outros países sul-americanos.

 

Foram nove golos que levámos: a Espanha de um país mais pequeno e Portugal de um país bastante maior. Por outro lado, a Espanha marcou um golo e nós nem um marcámos. Em contrapartida, eles levaram 5 e nós só levámos 4. Mas ambos sofremos 4 golos de diferença. 8 no total. Nada mau, hein?

 

Estaremos feitos? Não.

 

Agora cabe-nos apoiar a selecção mais do que sempre. É o nosso apoio que será decisivo. É portuguesíssimo mas perigosíssimo pensar que está tudo perdido, que já não vale a pena. Nunca iríamos ganhar à Alemanha. Se tivéssemos ganho ficaríamos com um excesso mortífero de confiança. Assim levámos o banho de água fria de que precisávamos: quatro baldes foi a medida perfeita.

 

Quanto aos alemães, parabéns e obrigado pela lição.

 

Miguel Esteves Cardoso

 

retirado do Público

23
Jan16

Miguel Esteves Cardoso - O Machismo Português e as Traições Amorosas

olhar para o mundo

Miguel Esteves  Cardoso

 

O Machismo Português e as Traições Amorosas

 

Na gíria portuguesa, os palitos são a versão económica, e mais moderna, dos cornos. Os cornos, à semelhança do que aconteceu com os automóveis e os computadores, tornaram-se demasiado volumosos e pesados para as exigências do homem de hoje. Daí a crescente popularidade dos mais portáteis e menos onerosos palitos. Contudo, visto que se vive presentemente um período de transição, em que os novos palitos ainda se vêem lado a lado com os tradicionais cornos, continuam a existir algumas sobreposições. Uma delas, herdada do antigamente, deve-se ao facto dos palitos não se saldarem numa diminuição proporcional de sofrimento. Ou seja, não dão uma mera dor de palito — dão à mesma, incontrovertivelmente,dor de corno. Não é mais carinhoso, por isso, pôr os «palitos» a alguém — continua a ser exactamente o mesmo que pôr os outros. 

Tudo isto vem a propósito da forma atípica, entre os povos latinos, que assume o machismo português. Não se trata do machismo triunfalmente dominador, género «Aqui quem manda sou eu!», do brutamontes que não dá satisfações à mulher. Não — o machismo português, imortalizado pelo fado «Não venhas tarde», é um machismo apologético, todo «desculpa lá ó Mafalda», que alcança os seus objectivos de uma maneira mais eficaz. É, de facto, o machismo que, não só dá satisfações, comovive delas. 

O machismo português é o machismo, não da força masculina, mas da fraqueza. Não consiste no homem armar-se em agressor, mas em vítima. O logro é este: o homem apresenta-se sempre à mulher como vítima da natureza «de homem», dele. Ser homem, para o machista português, é ser essencialmente fraco. É um não-ser-capaz de resistir às tentações; um envergonhado «já sabes como é, filha» que serve para legitimar todos os privilégios de que goza (aos quais chama «deslizes»). À mulher não se admitem estes abusos — os copos, as entradas às tantas da manhã, os romances — porque o homem português considera a mulher um ser superior. Como é superior — mais forte, mais séria, mais responsável, mais ajuizada — não tem, muito simplesmente, direito a nada. 

O homem trata-a como se trata um deus. Julga que ela sabe tudoe, mesmo quando ele lhe mente, sabe que ela não se convence. Pensa também que ele pode tudo e é daqui que vem o medo enorme que lhe tem. E, tal como se faz com um deus, ele peca e pede perdão, mas sem perdoar em troca — porque um deus, por definição, não pode pecar. Se acaso uma mulher não corresponde a este comportamento divino, é logo considerada uma desgraçada, uma meretriz, uma sem-vergonha. Em suma: no fundo, uma criatura tão baixa e desprezível como um homem. 

Logo, é a inferioridade do homem — infinitamente confessada, declarada e propagandeada — que lhe impõe o direito de pecar e ser perdoado, e a superioridade da mulher que lhe confere a obrigação de perdoar. O homem, no machismo português, é pouco mais que uma pilha imponente e irresistível de vulnerabilidades. As outras mulheres atraem-no sempre contra vontade, e ele, coitado, não se consegue defender e vai-se instantaneamente abaixo. Como cantava o Carlos Ramos «Tu sabes bem que eu vou para outra mulher, que eu só faço o que ela quer...». A mulher, cheia de uma compreensão indistinguível da santidade, vê-o da janela, coração a sofrer de amor e de piedade, e apenas lhe pede («com carinho») que não venha tarde, «sabendo que ele vem sempre mais tarde». É este o machismo estritamente português, a meio-caminho entre o «Desculpem qualquer coisinha» e o «Era uma vez um rapaz». Nunca diz, à castelhana, «Quero e posso!»; nem disfarça, à italiana, dizendo «Posso mas não quero». Não. Diz, muito à portuguesa «Não quero, mas o que é que tu queres?, é o que posso...». O homem português nunca tem culpa. Arrepende-se sempre, mas não tem culpa porque não consegue deixar de fazer (por muito que não tente) as coisas que lhe apetece imenso fazer. A mulher, em contrapartida, tem quase sempre culpa. Tem, por exemplo, a culpa de atrair o homem, não porque o queira atrair (o querer ou não é irrelevante), mas, simplesmente, porque é mulher, e ele é homem, e não há absolutamente nada a fazer... 

O machismo português não é afirmativo e orgulhoso frente à mulher. É um machismo conjuntivo — «Eu bem gostaria de ser fiel, mas...», ou «Eu bem gostaria de passar mais tempo em casa, mas...», ou ainda «Eu bem gostaria de não ser como sou, mas...». É esse «mas» que torna o machismo português diferente — não é tanto de macho como de «mas», não é tanto um autêntico machismo como um masismo. Ele não é senhor do seu destino, como ela é do dela (e do dele). As coisas acontecem-lhe, ele bem tentou; foi uma coisa que lhe deu, ele nem sequer deu por ela, e, pronto, «o que é que tu queres, filha?»,aconteceu... 

A relação entre o homem português e a mulher é vista (pelo homem), como a relação que tem cada um com a sua consciência. E, ao passo que cada um pode andar na boa vai-ela (e depois penitenciar-se), o mesmo não se imagina (nem consente!) à consciência. E, o mais engraçado de tudo, é que a mulher que «sabe tudo», até isto sabe. Ou seja: sabe perfeitamente que esta do «Tu sabes bem...» é pouco mais que uma excelente treta que os homens propagam para poderem pensar que se divertem mais do que as mulheres. O que torna a mulher portuguesa ainda mais superior. Claro. 

Tudo isto para regressar, sem dor, à questão dos palitos. A tese central, criação única do machismo português, é esta: É muito fácil pôr os palitos a um homem (basta a mulher olhar para outro), mas é quase impossível pôr os palitos a uma mulher(porque nunca se consegue enganar a consciência). Um homem pode ser, por dá-cá-aquela-palha, um «corno manso», o que é muito pior que ser um corno selvagem ou só semicivilizado. Mas não existe, na língua, correspondência para o sexo feminino. Os palitos são uma coisa terrível que as mulheres podem pôr aos homens mesmo sem chegar a pô-los; mas que os homens nunca podem pôr às mulheres, por muito que lhos ponham. Nesta vantajosa lógica, bastante mais complexa e respeitosa do que aquela que anima outros machismos menos atlânticos, se encontra a alegria e a tristeza do autêntico macho português — aquele que vem sempre mais tarde, mas cada vez mais cabisbaixo. 

Miguel Esteves Cardoso, in 'A Causa das Coisas'

01
Dez15

Miguel Esteves Cardoso - O Engraxanço e o Culambismo Português

olhar para o mundo

Miguel Esteves Cardoso

 

O Engraxanço e o Culambismo PortuguêsNoto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele. 


Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia. 


Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc... Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso. 


Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada. O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma. O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas.Ninguém gostava de um engraxador. 

Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu. O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu. Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu. Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing.Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo. 

(...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês. 

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

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