Vindimados é um documentário sobre o Douro Vinhateiro e as suas gentes. Um olhar sobre a rudez e força que aqueles socalcos de vinha impõem a quem lá trabalha, que com a força dos seus braços moldou, ao longo dos tempos, a secular paisagem e o solo agreste e pobre, transformando-o nos jardins suspensos que hoje produzem o afamado vinho.
Achei por muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de idade. A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito
... Ver mais de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria de mundo em que o mundo se tem vindo a tornar. Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise.
Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe. Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesse crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo. Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza. Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes. Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola. E o meu coração galopava como se estivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível.
Dá-me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos. É como pedir que abdiquem de melhorar os nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias. Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto. As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada.
NÃO SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO PARA JÁ SABER TUDO !
Passaram 40 anos de um sonho chamado Abril.
E lembro-me do texto de Jorge de Sena….
Não quero morrer sem ver a cor da liberdade.
Passaram quatro décadas e de súbito os portugueses ficam a saber, em espanto, que são responsáveis de uma crise e que a têm que pagar…. civilizadamente, ordenadamente, no respeito das regras da democracia, com manifestações próprias das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o seu elevado espírito cívico, no sofrer e ….calar.
Sou dos que acreditam na invenção desta crise.
Um “directório” algures decidiu que as classes médias estavam a viver acima da média. E de repente verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros…. a dívida soberana entrou no nosso vocabulário e invadiu o dia a dia.
Serviu para despedir, cortar salários, regalias/direitos do chamado Estado Social e o valor do trabalho foi diminuído, embora um nosso ministro tenha dito decerto por lapso, que “o trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de Auschwitz.
Parece que alguém anda à procura de uma solução que se espera não seja final.
Os homens nascem com direito à felicidade e não apenas à estrita e restrita sobrevivência.
Foi perante o espanto dos portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o Estado que se comprometia devolver o investimento de uma vida de trabalho.
Mas, daqui a 20 anos isto resolve-se.
Agora, os velhos atónitos, repartem o dinheiro entre os medicamentos e a comida.
E ainda têm que dar para ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível.
A Igreja e tantas instituições de solidariedade fazem diariamente o milagre da multiplicação dos pães.
Morrem mais velhos em solidão, dão por eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos de sair de casa, suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, maridos, mulheres e filhos mancham-se de sangue, 5% dos sem abrigo têm cursos superiores, consta que há cursos superiores de geração espontânea, mas 81.000 licenciados estão desempregados.
Milhares de alunos saem das universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que muitos desistem de estudar para procurar trabalho.
Há 200.000 novos emigrantes, e o filme “Gaiola Dourada” faz um milhão de espectadores.
Há terras do interior, sem centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros.
Há carros topo de gama para sortear e autoestradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a boçalidade.
Há 50.000 trabalhadores rurais que abandonaram os campos, mas há as grandes vitórias da venda de dívida pública a taxas muito mais altas do que outros países intervencionados.
Há romances de ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em bem...estar para ambas as partes.
Aumentam as mortes por problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos os americanos. Também ele tem um sonho…
Há a privatização de empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a ser lucrativas. Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem?
E há a saída à irlandesa quando eu preferia uma…à francesa.
Há muita gente a opinar, alguns escondidos com o rabo de fora.
E aprendemos neologismos como “in conseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário do que está escrito no dicionário.
Mas há os penaltis escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e muito discutidos, e muita conversa, muita conversa e nós, distraídos.
E agora, já quase todos sabemos que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária. Surrealista…
Mas há os meninos que têm que ir à escola nas férias para ter pequeno- almoço e almoço.
E as mães que vão ao banco alimentar contra a fome , envergonhadamente , matar a fome dos seus meninos.
É por estes meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20 anos, pelos velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com a desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade.
A confirmar-se que estamos felizes, talvez os portugueses queiram experimentar um pouco de sofrimento, para desenjoar de tanto nirvana
Quando Pedro Passos Coelho disse, esta semana, que a história dos últimos anos tinha tido um final feliz, muita gente discordou por considerar que isto que vivemos não é felicidade. Eu discordo porque acho que isto não é um final. O que é infeliz.
Cada um terá a sua noção de felicidade, mas é mais difícil divergir naquilo que é ou não um final. Podemos discutir se o copo está meio cheio ou menos vazio (embora, no que me diz respeito, seja raro ter inquietações filosóficas deste tipo, na medida em que bebo quase sempre pela garrafa), mas creio que ninguém hesita acerca do momento em que o copo está completamente vazio. Um final não costuma deixar dúvidas. Mas o FMI continua a vir cá periodicamente, o que parece indicar que isto ainda não acabou. Além de que costuma vir com propostas que não trazem grande felicidade.
No entanto, como já tive oportunidade de observar, com muita perspicácia, o conceito de felicidade muda de pessoa para pessoa. Os fetichistas de pés ficam felizes com a mera contemplação de pés. Talvez o primeiro-ministro seja um fetichista de desemprego. Ou de dívida. Ou de pobreza. Por outro lado, a felicidade do final de uma história depende de quem a conta. Uma história em que o Drácula consegue ferrar o dente no pescoço de um desgraçado não tem, em princípio, um final feliz. A menos que seja o Drácula a contá-la. Para nós, o governo de Durão Barroso não teve um final feliz. Até porque redundou em Santana Lopes. Mas, para Durão Barroso, foi das mais lindas histórias que já se escreveram.
Talvez o problema esteja no próprio conceito de felicidade. É possível que Passos Coelho se satisfaça com pouco (recordo que ele apreciava a companhia de Miguel Relvas). Mas, para o resto do País, creio que a notícia de que isto é felicidade foi recebida com desilusão. De duas, uma: ou a felicidade não é isto ou tem sido muito sobrevalorizada. A confirmar-se que estamos felizes, talvez os portugueses queiram experimentar um pouco de sofrimento, para desenjoar de tanto nirvana.
Há ainda outro problema no conceito de final feliz de Passos Coelho (tão diferente do de certas casas de massagem): para o primeiro-ministro, temos sido todos muito virtuosos. Temos feito sacrifícios, pago dívidas, trabalhado a dobrar (os que têm trabalho). Ora, de acordo com a minha experiência, não é possível ser virtuoso e feliz ao mesmo tempo. A maior parte das coisas que me fazem feliz não são virtuosas, e vice-versa. Ou bem que se é virtuoso, ou bem que se é feliz. Temos de optar. E Passos Coelho também.
Pensar Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles. Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para servir?
Em nome de Portugal, gostaria de agradecer o teu contributo para o sucesso económico do nosso país. Portugal tem tido um desempenho exemplar, e o ajustamento está a ser muito bem-sucedido, o que não seria possível sem a tua presença permanente na fila para o centro de emprego. Está a ser feito um enorme esforço para que Portugal recupere a confiança dos mercados e, pelos vistos, os mercados só confiam em Portugal se tu não puderes trabalhar. O teu desemprego, embora possa ser ligeiramente desagradável para ti, é medicinal para a nossa economia. Os investidores não apostam no nosso país se souberem que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar dinheiro a pessoas desempregadas.
Antigamente, estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades. Começamos a perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas possibilidades. A tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das tuas possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja. Tens de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo das tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.
Não estás sozinho. O governo prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares de funcionários públicos. Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as rescisões não são despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é agasalhares-te bem, porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade que se torna difícil evitar as correntes de ar de oportunidade. Há quem sinta a tentação de se abeirar de uma destas janelas de oportunidade e de se atirar cá para baixo. É mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor maneira de conseguir pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa produzir. Aceita a tua função neste processo e não esperneies.
Tem calma. E não te preocupes. O teu desemprego está dentro das previsões do governo. Que diabo, isso tem de te tranquilizar de algum modo. Felizmente, a tua miséria não apanhou ninguém de surpresa, o que é excelente. A miséria previsível é a preferida de toda a gente. Repara como o governo te preparou para a crise. Se acontecer a Portugal o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à tua conta bancária confiscar uma parcela dos teus depósitos. Já não tens lá nada para ser confiscado. Podes ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer.
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Ricardo Araújo Pereira
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