Tu, sim, és o Deus que vale a pena: o Deus que quer e consegue ser luz mesmo quando só parecia que conseguiria ser escuridão; o Deus que ama, que atrai, que exalta, que rompe, que geme. O Deus que faz milagres com um sorriso, que cura doenças com um abraço, que ergue pontes com um afago. O Deus que faz da ternura uma prece, da partilha um santuário. É isso, um Deus que faz milagres desde que queira, de verdade, fazer milagres, o que tu és. Oremos, irmão.
Chegou a hora de seres a-teu. A teu. É a teu cargo que está criar o mundo. Todos os dias tens essa possibilidade, todos os dias nasces com essa força dentro de ti. Todos os dias és omnipotente: podes criar o teu mundo. E podes criá-lo exactamente igual ao que era antes e podes criá-lo completamente diferente do que era antes. Todos os dias crias um mundo, todos os dias tens o maior dos poderes nas tuas mãos. Como é que raios ainda não tinhas percebido que eras Deus? A teu. Ouve, recolhe, assimila: a teu. É tudo teu. Tudo o que és é teu. A teu. Sê a-teu. Ou então sê é-teu. E és omnipotente porque crias mundo e fazes milagres e separas águas. É-teu. E és omnipresente porque estás em todo o lado. Em todo o lado. Estás em todo o lado que é teu. És tudo o que é o teu mundo: és todo um mundo, crias todo um mundo e estás em todo o lado desse mundo. Como diabos é possível duvidares, por um segundo que seja, que és Deus?
(...) Não deixes nenhum abraço por dar, nenhum sorriso a apertar. Vai à tua vida e sê, na tua vida, a vida de quem vive na tua vida. Sê Ele para quem te é tudo. Sê Deus para quem te dá, todos os dias (muito mais do que quem te deu o corpo para respirar), a vida. É quem está à tua volta que te dá a vida: que te faz vivo. E és o Deus de quem te ama e te quer como quem te ama e te quer te é Deus. Não hesites em ajoelhar e em ser ajoelhado, em orar e em ser orado. Vai ser Deus.
- A grande vantagem da vida é ensinar-nos outra vez a chorar. A vida infantiliza. Fica-se maior no que nos faz ser mais pequenos. Cresce-se fora o que se vai perdendo por dentro. Passamos a infância a querer crescer, a adolescência a querer crescer. E depois percebemos que só quer crescer quem ainda se sente pequeno. Um adulto sente-se pequeno mas pensa ao contrário. Sente-se pequeno e quer ficar mais pequeno. Voltar ao tempo em que havia sonhos. – Onde se perdem os sonhos? – Todos os sonhos se perdem. Mesmo aqueles que vais ganhar, e vais ganhar muitos, se vão perder. Porque já deixaram de ser sonhos. Sonhaste aquilo, tiveste aquilo. E acabou. Lá se foi o sonho. O segredo é conseguir gerar novos sonhos. Sonhos que consigam ocupar o espaço em branco deixado pelo sonho perdido. – Mesmo que tenha sido ganho. – Mesmo que tenha sido ganho. – Queria ser como tu. – E eu queria ser como tu. Queria olhar para a frente e ver que o caminho não acaba, o caminho a perder de vista. – O teu não se perde de vista? – O meu faz-me perder a vista. Todos os dias vejo menos. E todos os dias vejo melhor para trás. Crescer é a cada dia que passa ver melhor para trás e começar a perder a vista para a frente. Crescer é uma doença dos olhos. Vais ficando menos e menos capaz de ver o que está diante de ti. E mais e mais capaz de ver o que está atrás de ti. Como se andasses de costas. – Envelhecer é andar de costas? – Sim. Caminhas na direcção contrária à daquilo que olhas. Andas para a frente e só sonhas para trás. – Sonhar para trás é perigoso? – Sonhar para trás mata. Há que ser criança. Há que olhar para uma ruga como se olha para um Action Man ou para uma Barbie. Tirá-la da caixa, ficar fascinada com ela, explorá-la, perceber que é apenas pele dobrada: fascinante pele dobrada. Aprender a envelhecer é aprender a brincar. Ser velho é aprender tudo outra vez. O mundo mudou quando tu mudaste. O mundo envelheceu quando tu envelheceste. O que antes era uma banalidade é agora uma impossibilidade. Queres jogar futebol e não consegues, queres dançar toda a noite e não consegues. E a tua vida é muitas horas do teu dia isso: queres e não consegues. O mundo mudou para ti. Tens de aprender tudo de novo. O que fazer, como fazer. Tens de te inventar para não seres dizimado. Não há momento mais triste do que aquele em que desejas algo e o corpo te impede de teres algo. O corpo é um cabrão. Tapa agora os ouvidos, por favor. – Já tapei. – Então ouve com atenção: o corpo é um filho da puta. Nunca lhe ligues. Se o corpo te der ordens, manda-o bugiar. O corpo só serve para te oferecer falsas ilusões. Faz-te crer que podes tudo, alimenta-te de sensações. E depois vai-tas tirando. Uma a uma, devagar, para doer mais. Só tens de ser capaz de descobrir novas sensações. – Como uma criança? – Como uma criança. Uma criança que por menos brinquedos que tenha vai sempre ter todos os brinquedos do mundo. Uma criança que faz de um par de meias um avião, de um osso de frango a Torre Eiffel, de uma camisola rasgada um equipamento de futebol. Envelhecer é fazer de um corpo incapaz de ter as sensações esperadas um parque de diversões por explorar. – Tenho de ir. A minha professora já chamou. – Vai. Aprende. Mas não demasiado. Saber demais dá para o torto. Limita-te às ilusões. – Gosto de ti. – E eu de ti. Isso é o que nunca podes perder. A capacidade de te gostares. – Um dia vou ser grande. – Um dia vais ser pequeno outra vez. Prometo.
O amor é bem capaz de ser a melhor maneira de nos encontrarmos connosco. Preciso de ti para saber de mim. Sei-o sempre que por minutos parece que vou perder-te, numa discussão das que vamos tendo. Discutir é abrir a válvula do amor, deixá-lo respirar, sangrá-lo para poder regressar à estrada. Nenhum amor aguenta sem sangrar. Preciso de ti para pensar em mim. Sei-o porque quando parece que vais eu vou também, deixo de saber quem sou, como sou. Para onde vou. Preciso de ti para precisar de mim. E os que não me entendem que vão para o raio que os parta. Os que dizem que isto não é nada recomendável, que isto não devia ser assim, que eu devia ser capaz de ser o que sou sem precisar de ti. Infelizes. Preciso de ti para cuidar de mim. O amor é bem capaz de ser precisar do outro para cuidarmos de nós. E eu cuido-me. Quero estar viva para te poder amar. Conheces melhor motivo do que esse? É claro que amo os meus pais, a minha família toda, os meus gatos, aquilo que a vida me tem dado. Mas se quero estar viva é antes de mais nada porque é a vida que te traz até mim. Mudei a vida toda para te dedicar a minha vida. E sou feliz. E não deixo de ser a mesma mulher que sempre fui. Não deixo de ser a mulher com cabeça, com ideias. Não deixo de ser a mulher singular que se apaixonou por ti e que te apaixonou também. Sou mais eu sempre que sou tua. E sou sempre tua. Amo o que me fizeste ser. O que me fazes ser. Amo a mulher em que contigo me tornei. Amo saber que tenho em mim o que te faz querer-me em ti. Somos os dois prisioneiros mais livres de todo o universo. Somos os dois escravos mais felizes da História da Humanidade. Escraviza-me completamente e faz-te escravo de mim, ordeno-te. Não seguimos os manuais. Os manuais que ensinam o amor em part-time, o amor saudavelzinho. O amor em doses. O amor dividido em rações. O amor como uma empresa. Que tristeza. Consumimo-nos sem moderação porque se é moderado já não é amor. Somos ridículos na maneira como nos amamos mas só quem nunca amou é ridículo. O amor é bem capaz de ser a melhor maneira de ser ridículo.
Pedro Chagas Freitas, in 'Queres Casar Comigo Todos os Dias, Bárbara?'
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