Era uma vez um país onde entre o mar e a guerra vivia o mais infeliz dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras um povo se debruçava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua própria pobreza.
Era uma vez um país onde o pão era contado onde quem tinha a raiz tinha o fruto arrecadado onde quem tinha o dinheiro tinha o operário algemado onde suava o ceifeiro que dormia com o gado onde tossia o mineiro em Aljustrel ajustado onde morria primeiro quem nascia desgraçado.
Serei tudo o que disserem por inveja ou negação: cabeçudo dromedário fogueira de exibição teorema corolário poema de mão em mão lãzudo publicitário malabarista cabrão. Serei tudo o que disserem: Poeta castrado não!
Os que entendem como eu as linhas com que me escrevo reconhecem o que é seu em tudo quanto lhes devo: ternura como já disse sempre que faço um poema; saudade que se partisse me alagaria de pena; e também uma alegria uma coragem serena em renegar a poesia quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu a força que tem um verso reconhecem o que é seu quando lhes mostro o reverso:
Da fome já se não fala ‑ é tão vulgar que nos cansa mas que dizer de uma bala num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história ‑ a morte é branda e letal – mas que dizer da memória de uma bomba de napalm? E o resto que pode ser o poema dia a dia? ‑ Um bisturi a crescer nas coxas de uma judia; um filho que vai nascer parido por asfixia?! ‑ Ah não me venham dizer que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem por temor ou negação: demagogo mau profeta falso médico ladrão prostituta proxeneta espoleta televisão. Serei tudo o que disserem: Poeta castrado não!
José Carlos Ary dos Santos, Resumo, 1972
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