Joel Neto - Gay
Em Setembro estiveram cá o C. e o G. Conhecemo-los nos tempos de Costa do Castelo, e a primeira coisa que lhes perguntei, quando se estrearam a jantar lá em casa - uma alcatra das mais carnívoras, escolha já de si provocatória -, foi se queriam começar por uma cerveja.
- Bom, talvez não - corrigi-me. - Cerveja é um bocado rude, certo?
Com os casais gay, é assim: o facto de se tratar de um casal gayé sempre o tema da conversa. Nós provocamos, eles chamam-nos preconceituosos, depois falamos mais a sério e, no fim, talvez nos tornemos amigos.
Foi o que aconteceu.
Dois anos e muitas saladas de rúcula depois - mentira: várias alcatras e bastantes cervejas, que este é o seu próprio modelo de casal gay -, vieram visitar-nos aos Açores.
Não fomos menos íntimos do que com outro casal qualquer. Talvez tenhamos sido mais. Conversámos até de manhã, bebendo vinho. Vimos filmes no sofá, sob mantas que nos protegiam dos primeiros frios do Outono.
Eles fartaram-se de namorar. Beijaram-se na rua. Fotografaram-se entre flores. O C. ia à venda do Roberto e ficava horas a falar com o Sr. Carlos, repetindo a expressão "o meu companheiro".
No fundo, ansiávamos pelo primeiro equívoco rural para nos podermos rir noite dentro, com o nosso vinho tinto. Nunca houve uma palavra. Um gesto. Um olhar.
Dias depois passei na venda, a auscultar as memórias. Ainda podíamos rir-nos no Facebook. Nada. No fim, e em desespero de causa, fui à luta:
- Sim, Sr. Carlos, mas sabe que eles são um casal gay, não?
- E o que tem isso?! - estranhou o homem, e no seu rosto não chegava a haver indignação, mas apenas o desconcerto que nos oferece o mais inútil dos despropósitos.
Os ridículos fomos nós. Mas, quando o C. e o G. cá voltarem, faremos igual, porque foi tão neurótico e divertido como sonháramos.
Joel Neto
Retirado do DN