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Pontos de Vista

Porque tudo na vida tem um ponto de vista

Pontos de Vista

Porque tudo na vida tem um ponto de vista

10
Out16

Clara Dawn - Simplesmente, Adeus!

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Simplesmente, Adeus!

 

Onde o fim se esconde, há um lugar diminuto e belo: ali a gente pode ouvir o chiado do sol quando ele mergulha no mar. É no afã parturiente dos momentos ruins que os aromas celestiais se revelam transfigurados das lembranças de bons dias… Eu tenho contemplado todas as coisas tão distantes… Num repente todos os caminhos, até mesmo uma senda, parecem-me longínquos demais. Foram os lugares que se afastaram ou foi o meu jeito de olhar que, de perspectiva, diminuí?

Voar até a lua não é difícil. Difícil, mesmo, é percorrer essas intermináveis estradas interiores. Mas não é o eixo longitudinal que determina o afastamento das coisas, tampouco é o silêncio da boca – é o estado d’alma. Porque para permanecer não precisa ficar perto, contudo é mensurável que esteja dentro.

Eu não gosto de ‘ficar’ – prefiro ir… Não temo mudanças – sou passageira aqui e, por isso, evito deixar marcas onde piso, pois quando a porta se fecha atrás de mim – ‘ficar’ é verbo inconjugável, ainda que permanecer não seja. Porque o amor e o encantamento por todas as coisas têm o poder de prolongar as distâncias, e nesse caminhar não há pressa. Simplesmente porque ‘ficar’ não é o mais importante, uma vez que se permanece. A satisfação está no ir, no voo… Um voo eterno, com ou sem destino, mas sem longas paradas…

 

Eu gosto desse chegar que não chega nunca, dessa distância que se faz perto quando há paixão e depois se esfarrapa em desculpas tantas. Porque é a distância das estrelas que faz com elas se revelem belas e luzidias… Uma estrela não pode ao menos ser contemplada – porque uma estrela nunca fica –, apenas permanece na luz do passado. Se há estrelas brilhando atualmente, só saberemos, dizem, daqui a uns cinquenta anos.

É verdade que o estado metamórfico das existências é algo que me fascina. Fascinam-me essas breves distâncias entre o nascer e o morrer. Mas o que me consterna diante disso é que essa breve distância caminha sempre de mãos dadas com profundos sentimentos de solidão. Oh, Cristo! Por quê? Meu eu poeta me diz que ainda que o corpo seja a casa do espírito, o espírito nunca se encontra em casa… Porque casa não é lar – e a gente nem sempre vive onde mora – e o espírito tem um lar e dele sente saudade. O lar do espírito é logo ali, onde a gente pode ouvir o chiado do sol quando ele mergulha no mar.

O homem tem receio, não da distância das coisas, mas dos terríveis hiatos que descalcificam o caminho que ele escolheu para seguir. Hiatos interrogatórios que, se não estão no percurso, estão correndo atrás de si. Há uma maneira risonha de se distanciar dessas coisas que correm atrás da gente – deixando-as onde estão – atrás. Mas o encargo real não é livrar-se das que correm atrás, é ter que se distanciar daquelas que correm dentro de nós para lá e para cá, em promíscua insalubridade: adoecendo a mente e oxidando o corpo. As distâncias em si não são ruins. Ruim é quando as distâncias estão perto demais.

 

Eu gosto de observar a vida com as minhas distâncias, como aquele que vai ao teatro para vislumbrar a todos no palco, e ele, plateia/só aplaude freneticamente o cenário, a peça, o contexto, o texto, o figurino, enfim – o desembrulhar das gentes. Porque se tenho que impor presença, isso já é distância que me vence. Meu espírito, coisa tola – começa a ficar cansado quando pensa que é preciso ter uma cor/berrante para estar no desenho da vida – eu sou toda ausência-de-cor- uma colcha de retalhos incolores – uma bolha de sabão que reflete a luz de um arco-íris preto e branco – assim permaneço distante das aparições sociais para que a minha existência não se desfaça simplesmente num adeus, mas como um Déjà Vu que não se tem a certeza de ter sonhado ou acontecido.

Texto de Clara Dawn – Publicado originalmente no jornal Diário de Manhã – DMRevista – Goiânia – Goiânia em 10 de junho de 2013.

 

Retirado de Portal Raizes

25
Mai16

Quando Eu Amo Nem O Amor Me Aguenta - Clara Dawn

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Quando eu amo, eu sou o meu amor. E não importa o quanto eu já tenha me decepcionado estarei sempre amando um “este é diferente”. Porque quando eu amo, o amor tem o cheiro da fruta-do-conde; tem gosto de suspiro, é alvinitente como a lua cheia; tem a fala mansa como uma cantilena repousaste sobre o rio e um olhar benevolente que me conduz a ouvir uma nota de piano tocada em dó.

 

Meu amor é tamanho: vive apinhado aqui dentro do meu peito evocando tessituras de amarga saudade. Mas, a minha saudade não é amarga, já disse, tem gosto de suspiro… É mansa como um “não sei o quê”, desses “não sei os quês” que chegam pra ficar e gente acha bom, porque nos conduz ao lugar onde o amado mora.

 

Quando amo, o amor não me aguenta. Porque quando amo eu sou o amor. Dou-lhe o meu “eu’ mais bonito, minha voz meiga, meu riso mais infante, meu canto feliz, meus melhores beijos… Quando amo, assombro o amor com mimos tantos: eu não tenho dores, nem sonhos, objetivos ou quaisquer expectativas senão fazer o amor sentir-se mais amado. Quando amo, aprisiono-me para deixar o amor livre: na maioria das vezes ele não volta.

 

Quando amo, dou ao meu amor minhas vestes de cetim – todas elas – azules, douradas, alvas e rubras… Dou-lhe todas às minhas habilidades: desjejum de seiva em conta-gotas, lençóis de musgos escardeados e a cantarola em gestos de uma serpente. Presenteio-lhe com minhas multicores e o amado se transforma em arco-íris. Dou-lhe, também a iridescência de uma bolha de sabão e o amado infla e eu, sem vida própria, estouro em preto e branco.

 

Inspirada nos poemas de Yêda Schmaltz 

 

Clara Dawn

 

Retirado de Portal Raizes

09
Mai16

Clara Dawn - Mãe, Eu Te Perdoo. Perdoa-Me Também!

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Mãe, Eu Te Perdoo. Perdoa-Me Também!

 

Ontem foi o aniversário da Naty, mãe. Ela estava linda de debutante. A vovó sempre disse que ela se parece com você quando você tinha a idade dela. Perguntei a vovó se era apenas semelhança física e ela riu. Olhou para a Naty e disse que se ela fosse sua filha talvez não fosse tão parecida no jeito rebelde de ser.

Disso eu sei, pois eu jamais quis parecer-me contigo. Moldei a minha aparência para não copiá-la em coisa alguma e sempre ignorei a sua presença para não repetir inconscientemente algum dos seus gestos.

Você sabe do desprezo que sempre tive por você. E não foi sem razão, pois você apenas me gerou, me trouxe ao mundo sem jamais querer-me por um único momento e entregou-me aos cuidados de minha avó – essa sim – é minha mãe de verdade.

Mas ontem, olhando para a Naty ali dançando a tão sonhada valsa de debutante com o pai, fiquei imaginando se ela, que hoje completa a mesma idade que você tinha quando me deu à luz, seria capaz de criar um filho. Olhei para Naty e me lembrei que até ontem ela brincada com bonecas e ficava enrubescida só de falar em beijar um garoto.  Naquele momento eu tive pena de você, mãe.

Porque concluí que você era criança demais para saber o que fazer com outra criança. E eu que passei anos me esforçando para jamais ser igual a você, para dar a minha filha tudo que você jamais me deu… Eu que de tudo fiz para esquecer a sua existência, esqueci-me de de ensinar a Naty uma coisa muito importante. Uma coisa que a vovó lhe ensinou, ensinou a mim também: que uma mãe, no verdadeiro sentido divino desta palavra, jamais tira a vida de um filho ainda que não tenha condições psicossociais para criá-lo.

Sabe por que estou dizendo isso, mãe? Porque ontem, enquanto a Naty bailava nos braços do pai, ela desmaiou. A princípio pensamos que seria um mal estar por ela ter passado o dia inteiro sem comer para ficar magra no vestido, coisa de moça.

Levamos-a ao Pronto Socorro e o médico nos contou que ela havia praticado um aborto e por isso estava tão fraca. Estupefatos diante da notícia fomos falar com ela. Perguntamos se ela havia praticado aquele ato infame por medo de brigarmos com ela. Mas ela, firme e convicta de sua decisão disse: “eu não o queria”.

Ah!, minha mãe, eu preciso lhe perdoar. Eu preciso que me perdoe também. Porque hoje eu olho para a Naty, minha filha, e penso que ela não é parecida com você. A vovó está enganada. Você só não criou a sua filha, mas entregou-a aos cuidados de quem pudesse amá-la e cuidar dela enquanto você crescia. Mas como eu poderia ensinar a Naty o que é ser mãe se eu mesma repudiava a minha? Definitivamente, mãe, a Naty não se parece com você. Ela se parece comigo, a diferença entre nós duas é que, injustamente, uma matou o filho e a outra matou a mãe.

Texto de ficção, da romancista Clara Dawn

 

Retirado de Portal Raizes

15
Fev16

Clara Dawn - Ser feliz é muito difícil

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Ser feliz é muito difícil

 

Num instante de euforia em mim, deleite-se tal qual um lobo numa carcaça. Sabendo de antemão que o riso é semelhante à morte: um minuto é o bastante para lhe pôr em cólicas. A tristeza é mais atraente do que a alegria. A alegria é trabalhosa demais. A felicidade então, ô!

 

Brigitte Bardot, a incomparável BB, em ‘E Deus Criou a Mulher’, disse: “É muito difícil ser feliz” – quando sua personagem, Juliette, submersa pela tristeza, contemplava o ir e vir do mar. Ela se referia à adaptação ao paradigma da felicidade plena: lar, marido, filhos… E aos comportamentos éticos morais, sociais e religiosos. Juliette era infeliz por não enxergar a felicidade onde a “felicidade mora”.

 

Coisa tola é crer em felicidade plena. A felicidade, penso eu, é a coisa mais íntima da existência. A felicidade para Juliette era ser, extraordinariamente, alegre. Ora, desde quando uma mulher pode ser assim tão alegre, sem que isso lhe custe um amontoado de escárnios? Para constar, o filme foi ambientado em 1956, mas parece-me que foi ontem.

 

Comungo com Juliette na ideia de que ser feliz é muito difícil. Um casamento “feliz”, por exemplo, é uma fusão, onde [hipótese] duas pessoas  distintas, que não possuem parentela, nasceram e cresceram em regiões diferentes, se formaram em culturas e crenças diferentes e até os sexos são diferentes… poderiam, oh, céus!, homogeneizar toda íntima felicidade para-todo-o-sempre-amém!?

 

A felicidade de um pode ser um tormento para o outro. Não obstante de a alegria de um ser a tristeza do outro, como ocorre num jogo de futebol,  falo aqui de salada de rúcula e Tchá, Tchá, Tchá… A felicidade é tão íntima que posso encontrá-la nos instantes mais inusitados, ziguezagueando entre lágrimas quando estas revelam a sincera compaixão para com um outro qualquer.

 

Ser feliz requer muitos verbos: confiar, abnegar, concernir, perdoar, relevar, conceder, doar… e outros esforços necessários à boa vontade para com os relacionamentos interpessoais. É esse tipo de felicidade, imposta pela utopia social, que livra o ser do esforço do raciocínio próprio e da busca pessoal.

 

É mais fácil ser triste do que ser alegre. A tristeza se autojustifica sempre. Com ela se pode ficar em casa e coisa alguma fazer além de aquietar-se na covardia para com os deveres da alma. Conheço tanta gente que é feliz sendo triste. Porque é mais fácil lidar com as lágrimas do que com o riso.

Com as lágrimas se atrai a piedade; com o riso, o deboche. Com a tristeza vem a compaixão; com a felicidade a inveja… porque é tão cômodo chorar com os que choram, mas se alegrar com os que se alegram, isso lá é uma tarefa para a distante evolução do espírito.

 

Na minha íntima, muito íntima, felicidade deste instante em que me debruço sobre essas teclas quadradas, sinto o meu coração crescer dentro do peito ao arfar o oxigênio fluido do jardim. Pássaros vândalos fazem algazarras numa poça de lama e eu estou eufórica também… Vinho não, tequila; O Fantasma da Ópera, oh não, Lago dos Cisnes; escada rolante não, elevador: último andar, s’il vous plaît. Merci.

 

Clara Dawn

 

Retirado de Portal Raizes

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