Já ouvistes dizer: «Ninho feito, pega morta». Que me dizeis ao contentamento do mundo, onde toda a duração dele está enquanto se alcança? Porque, acabado de passar, acabado de esquecer. E com razão, porque, acabado de alcançar, é passado; e maior saudade deixa do que é o contentamento que deu. Esperai, por me fazer mercê, que lhe quero dar umas palavrinhas de propósito:
Mundo, se te conhecemos, porque tanto desejamos teus enganos? E, se assim te queremos, muito sem causa nos queixamos de teus danos.
Tu não enganas ninguém, pois a quem te desejar vemos que danas; se te querem qual te vem, se se querem enganar, ninguém enganas.
Vejam-se os bens que tiveram os que mais em alcançar-te se esmeraram; que uns, vivendo, não viveram, e os outros, só com deixar-te, descansaram.
E se esta tão clara fé te aclara teus enganos, desengana ; sobejamente mal vê quem, com tantos desenganos, se engana.
Mas como tu sempre morres no engano em que andamos e que vemos, não cremos o que tu podes, senão o que desejamos e queremos.
Nada te pode estimar quem bem quiser estimar-te e conhecer-te; que em te perder ou ganhar, o mais seguro ganhar-te é perder-te.
E quem em ti determina descanso poder achar, saiba que erra; que sendo a alma divina, não a pode descansar nada da terra.
Nascemos para morrer, morremos para ter vida, em ti morrendo. O mais certo é merecer nós a vida conhecida, cá vivendo.
Enfim, mundo, és estalagem em que pousam nossas vidas de corrida; de ti levam de passagem ser bem ou mal recebidas na outra vida.
Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento Etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente, Não te esqueças daquele amor ardente, Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te Algũa cousa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou.
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"
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