Eis um elogio da realidade humana: não há nenhum livro ou filme que nos faça rir tanto – até magoar o estômago e doer-nos, torcendo-nos os intestinos, as cordas vocais da garganta e os aparelhos de captação de oxigénio dos pulmões – como as brincadeiras que fazemos e dizemos entre nós.
O nosso riso dá-nos pontadas; corta-nos a respiração; desmancha-nos as caras. Tapamo-las com uma mão para não rebentar. É um dos prazeres de ser humano.
Já para chorar não há nada como os livros e os filmes. Os filmes – que são obras de arte mais fáceis e inferiores do que as obras escritas – fazem-nos chorar mais, quando são bem feitos, do que as obras-primas da literatura.
O riso é a coisa mais difícil que há entre estranhos (escritor e leitor; comediante e espectador) e a mais fácil entre familiares. Conclui-se, logo à partida, que o riso público é uma conquista épica. É David, depois de ter ganho a Golias, conseguir fazer rir a família e o público faccioso de Golias.
O choro, como o bocejo, é contagiante. O riso, como a batata doce, é uma partilha de cumplicidades. Chorar é público. Rir é particular. E por isso que conseguir que se ria pública e colectivamente é um feito glorioso e irrelevante.
Cada novo livro de Ricardo Araújo Pereira é disputado, lido e relido na nossa casa. Como escritor, comediante, actor e pensador, o Ricardo Araújo Pereira é o contrário de um estraga-prazeres: é um espalha-prazeres do melhor que há.
Miguel Esteves Cardoso
Retirado do Público