Tenho de Salvar estas pessoas, tantas quantas eu puder. Se estou a desobedecer ordens, prefiro estar com Deus e contra os homens, do que com os homens e contra Deus
O Amor Nunca Salva, mas alguém Tem uma Ideia Melhor?
Descobri, um pouco tarde, que afinal todos os meus livros são histórias de amor. Só que as daninhas estavam tão bem disfarçadas que eu próprio não tinha reparado. Às vezes, amo entre duas pessoas, outras de amor entre uma pessoa e uma ideia. Idalina enamora-se por «uma dança sem música». Sam Espinosa apaixona-se por uma mulher uns anitos mais velha (duzentos, coisa pouca), Greg quase é salvo da perdição por uma sósia de Angelina Jolie. O amor está no ar e também, como diria um poeta, o amor está no mar. O amor não salva, nunca salva, mas alguém tem uma ideia melhor?
Tão sensacional descoberta levou-me a cogitar no seguinte: e qual será a melhor forma de amar? Carente de modelos reais na vida humana, decidi procurá-los na natureza. Com a ajuda da televisão, claro, Canal Odisseia, National Geographic, Canal Panda, essas coisas. Pode-se lá chegar à natureza, nos dias que correm, senão pela televisão! Três rolos modelos logo me saltaram à vista: o Amor do Louva-a-deus; o Amor do Cisne; o Amor do Urso Polar.
Após alguma esmiuçação, concluí que qualquer um me parece bem, e tem as suas vantagens e desvantagens.
No romance do louva-a-deus, a fêmea devora o macho depois da cópula. É natural, toda a gente sabe que a gravidez estimula o apetite. E seria bem pior se ela o devorasse antes da consumação.
O cisne acasala para a vida. É bonito. Lembra certos parzinhos que encontramos sobretudo na noite boémia, muito perfeitos, muito encapsulados, o mundo é deles, o mundo são eles. Gosto, mas como nunca experimentei sinto-me sempre um bocadinho do outro lado da vitrina, a definhar de inveja.
Pronto, confesso. O que, esse sim, me toca profundamente é o amor do urso polar. É esquivo, dura pouco – pelo menos a parte do encontro. Urso polar e ursa polar namoram e acasalam brevemente, e logo se apartam, cada um para seu lado, para todo o sempre, a fêmea talvez com uma cria, o macho continuando a sua caminhada, glaciares fora, de nenhures em direcção a nenhures.
Vai solitário e triste, o nosso urso? Talvez. Eu gosto de pensar que vai de coração cheio, e que a brevidade do encontro é compensada pela intensidade da memória. Tanto quanto sei, não há ursos com Alzheimer.
Também eu acredito que a existência precede a essência. Que tudo começa quando o coração pulsa pela primeira vez, e tudo acaba quando ele desiste de lutar. Que todas as paisagens são cenários do nosso drama pessoal, comentários decorativos da nossa aventura íntima e profunda. E que, por isso, cada homem só se pode salvar ou perder sozinho, e que só ele é o responsável pelos seus passos, que só as suas próprias raízes são raízes, e que está nas suas mãos a grandeza ou a pequenez do seu destino. Companheiro doutros homens, será belo tudo quanto de acordo com o semelhante fizer, todas as suas fraternidades necessárias e louváveis. Mas que será do tamanho e da qualidade da sua realização singular, da força da sua unidade, da posição que escolheu e da obra que realizou, que a consciência lhe perguntará dia a dia, minuto a minuto.
Se nada nos salva da morte, ao menos que o amor nos salve da vida
Si nada nos salva de la muerte, al menos que ele amor nos salve de la vida
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